domingo, 17 de junho de 2012


3o Lugar: CONTO
Gilberto Garcia da Silva
Praia Grande/SP

A MORTE DO POETA

Aos oito anos escreveu um poema.
Meu cavalo se chama Alfredo.
Ele tem asas.
Quando vôo nele não tenho medo.
Quase morreu de orgulho ao contemplar as três linhas. Aquilo não existia; ele havia criado.
Seria para sempre a coisa que mais lhe pertenceria no mundo todo. Uma extensão de si mesmo, a maneira menos precária de tocar a beleza e a eternidade.
Correu até a cozinha. A mãe cuidava da louça e não quis secar as mãos. Abaixou o rosto, franziu a testa e os lábios.
- Você não tem cavalo ela - disse, depois de decifrar cada uma das letras.
Continuou segurando a folha acima da cabeça, à espera de outro comentário.
- Vai limpar o quintal - ela mandou já de volta aos pratos e talheres.
Recolheu o poema. Era manhã de domingo e fazia sol. Chutou pedras e tampinhas de garrafa, pendurou-se num galho de árvore. Decidiu caminhar até a praça. Durante o trajeto foi construindo prédios de algodão colorido e mudando nuvens de lugar.
O pai tomava cerveja com os amigos. Mostrou-lhe a obra – fruto - furto da sua imaginação.
Enquanto ele lia, os amigos despentearam o seu cabelo. Perguntaram quantas meninas tinha namorado e apertaram o seu braço para saber se estava musculoso. Riu sem graça e disse palavras insignificantes. O pai devolveu a folha, ao final de uma luta mais ou menos breve.
- Cavalo não voa - retomou a conversa.
Virou as costas.
- O quintal já está limpo? - o grito alcançou-o do outro lado da rua.
Respondeu com um levantar de ombros. Guardou o poema no bolso da bermuda e foi embora, olhos baixos, passos rápidos. Juntou pedaços de papel, pontas de cigarro, insetos mortos, miudezas perdidas e abandonadas. Fez uma fogueira com o lixo da semana. Comeu maionese e carne assada, pudim de sobremesa. Viu televisão e dormiu.
No dia seguinte a mãe lavou a roupa da família enquanto, perto dali, ele decorava nomes e datas.

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